quarta-feira, 24 de novembro de 2010

eu sinto-me mais um veículo de uma vontade, que não a minha, do que alguém que escreve. a caneta é que me controla a mim e não o oposto.

Gosto quando olho pela janela do meu quarto e vejo os prédios, todos alinhados, simétricos, do seu cor-de-rosa pálido, ou mesmo mais vivo, dos seus entalhes em pedra branca… Os jardins harmoniosos, verdes, com pequenas palmeiras e plantinhas ingénuas a florescer… A maneira como o Sol, ao fim do dia, incide no topo da fachada daqueles mesmos prédios – belos, modernos, mas intemporais – e do céu, azul, límpido, tranquilizante… A calma que isto me transmite – oh! a calma que sinto – e o quão satisfeita fico… Sou abençoada por ter uma vista destas da janela do meu quarto.

Às vezes ponho-me a pensar como seria se não tivesse esta vista, se não fosse, no fundo, tão abençoada… Se, em vez de belos jardins, prédios quase principescos e a oportunidade de ver o Sol, a brilhar, e o céu que se estende até àquela via rápida, sinal e marca da modernização (sempre com aqueles veículos, ruidosos e rápidos, a passar e a passar, num crescente alvoroço), tivesse uma outra paisagem…

Como seria não ter estes contrastes, esta acalmia e vivacidade? E, tudo isto, apenas à distância de um simples abrir de pálpebras, com a ajuda de vários movimentos harmoniosos das pestanas… A entrada de luz nas pupilas, iluminando e enaltecendo simultaneamente as íris, levando a mensagem através de uma rede intrínseca de nervos, transportando-a através de fendas sinápticas e processando-a, finalmente, no córtex visual - num qualquer neurónio intermédio… Nem receptor, nem efector. Simplesmente intermédio – e elaborando a resposta cerebral àquele estímulo belo, que me completa… Como seria?

Mas como é possível, também, que uma simples paisagem e a sua contemplação me guiem até ao mais íntimo do meu íntimo, ao mais profundo da minha profundidade, aos diferentes córtexes do meu cérebro? Quem diria que um simples dia de Verão, quente e solarengo, me levasse a abrir a janela do meu quarto e que, com isso, me quase obrigasse a contemplar a Natureza em harmonia com a antropologia e que isso, por sua vez, me levasse até à biologia da minha mente? Quem diria?

O que uma simples observação inocente provoca… Se é assim com uma paisagem, imaginem o que não daria se fosse uma acção boa a ser observada…O que isso não provocaria…

 Às vezes a realidade é tão irreal que a tomamos como real só porque a vemos. É esse o poder de um olhar, de uma observação... É essa a capacidade que o nosso cérebro tem de tomar como verdadeiro aquilo que pensa que o é. E essa é uma das muitas belezas da vida…quase tão bela como a vista da minha janela.

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as palavras são coisas curiosas, há quem diga que dão vida. por isso, escreve. dá-me vida.