sábado, 21 de maio de 2011

se eu não fosse eu, era Sofia

Sofia é uma mulher com je ne sais quoi. stilettos vermelho-vivo de verniz polido e vestidinhos pretos de seda justos e decotados. mas sempre com classe. não tem medo de nada. vive a vida a seu gosto e com gosto. é inteligente. sabe o que quer, como quer e quando quer. fala do politicamente correcto de forma politicamente incorrecta. não tem medo do termo 'concomitante'. a sua vida profissional é um sucesso e a pessoal não lhe fica atrás. quanto à sexual, é soberba. uma autêntica leoa que domina a arte da sedução.

se eu não fosse eu, era Sofia.

Sofia vive em mim, no prédio da minha mente. faz parte da minha alma. mas, como ela, inquilinos há muitos, espreitando do alto das suas cortinas membranares coradas de prata.

a rapariga do pijama roxo, que cozinha muffins de chocolate e redige cartas de amor - rídiculas, como devem ser - plantando malmequeres no jardim do seu quintal e colhendo-os para o seu leito de delícias açucaradas.

a pragmática diplomata, sempre muito atenta aos acontecimentos (inter)nacionais. comentadora assídua do panorama político-social actual e crítica assaz da retórica demagógica. muito opinativa; lê, relê, analisa. a mente é a sua pièce de resistance.

a escritora excêntrica. bipolar intelectual, é criativa e sensível. não dispensa o seu chocolate quente e uma manta em dias de chuva. o cafézinho é essencial nos momentos decisivos de inspiração voraz, bem como a caneta ou o seu laptop de estimação. gosta de comida macrobiótica, usa sweatshirts largas e com as mangas demasiado compridas, bem como cabelo sempre apanhado com pequenas cascatas de madeixas desleixadamente atractivas que competem com os seus gigantes óculos-de-massa coloridos.

a rapariga sonhadora. bebe sempre sumo de laranja ao pequeno-almoço com as suas torradas, perfeitamente tostadas, com manteiga derretida. tem demasiadas sweet delusions e ainda acredita que o mundo pode ser salvo de si mesmo. uma caixa de chocolates, uma flor ou um beijo apaixonante determinam o seu estado de espírito.

a dominadora. ela quer, ela tem. o seu poder de persuasão é tão elevado que consegue dar a volta a qualquer situação. é rebelde, destemida e adora cabedal e uma boa discussão. se souberem push the buttons - os botões certos, claro - e a provocarem, assegura-vos a mais louca noite de prazer que terão. é agressiva e manipuladora, mas muito sexy. a autêntica bad girl, off limits.

a nerd. estuda, estuda, estuda. muito concentrada e focada, consegue irradiar charme quando socializa, mas fá-lo tão escassamente que o seu futuro se resume ao profissional - com o maior sucesso - mas, mesmo assim, apenas o profissional. viajante por natureza, percorre o mundo em busca de novos conhecimentos e maravilha-se com as diferenças culturais.

há ainda outros que tais. pessoas mais tímidas, que se escondem do mundo e não saem à rua. fechados nos seus apartamentos mielínicos, sem janelas de receptores que os conduzam para o frenesim do sentir...

se eu não fosse eu, era Sofia.

o problema aqui é que há dias em que parece que saem todos da sua redoma e estimulam a musculatura do meu ser, espreitando do alto das suas sinapses e enovelando-se frente à porta da entrada arterial mais electrizante.




se eu não fosse eu, era Sofia, somente. mas ser-se C. é tão mais louco.

"Sem a Loucura que é o Homem, mais que a Besta sadia, Cadáver adiado que Procria?"
Fernando Pessoa


2 comentários:

  1. ai. adorei. fiquei sem fôlego. sobretudo a frase final, escrita por ti. embora muitas destas características eu veja em ti, querida, quero a C. A C. é real, e é um bocadinho minha *.*

    ResponderEliminar
  2. Ser-se C. é tão mais louco, mas também tão mais perfeito.
    Adorei :)

    ResponderEliminar

toca-me ao de leve, com gentileza. e, depois, quando me tiveres cativado, poderás então fundir a tua alma à minha.

as palavras são coisas curiosas, há quem diga que dão vida. por isso, escreve. dá-me vida.