domingo, 8 de maio de 2011

quando tudo o que me invade o pensamento é "qual será o próximo insulto?" seguido de um breve sorriso incapaz de ser contido

Permiti-me, num outro dia, voltar àquela sensação romanesca, utópica, quimérica quase, de adolescente semi-apaixonada. Quando sentíamos aquele friozinho na barriga (impossibilidade fisiológica) e borboletas esvoaçantes sempre que, por sorte, a miragem daquela pessoa se nos invadia o caminho ou o pensamento.

"Oh meu Deus, ele está ali!" - diria eu à minha amiga - "Que é que eu faço????"
"Bem, acena-lhe, pode ser que ele retribua!" - e assim o faria. Se ele retribuísse o meu dia ilumar-se-ia de tal forma que nada mais o poderia estragar; como se aquele simples gesto insignificante fosse, na realidade, o que de mais significativo há.

Todo o jogo de sedução ou 'aqueles-primeiros-dias-em-que-sentimos-qualquer-coisa-de-diferente-e-os-risinhos-são-constantes' são a melhor parte, mesmo hoje em dia. Quando o sentimento ainda não evoluiu (nem se construiu), quando há uma simples atracção leve ou um interesse mais acentuado e nos permitimos aqueles dois dedos de conversa e olhares distantes, quando fazemos piadas sem nexo e insultamos de forma meio a brincar, meio a sério a outra pessoa só mesmo para ver no que dá.
É o chamado 'início' - tanto pode ser o início de uma grande amizade, como de um grande amor; mas a maior parte das vezes é apenas o início de nada ou, no máximo, de uma paixão fugaz.

Mas, dizia eu, noutro dia permiti-me sentir isto no expoente máximo; desliguei o botão "mulher madura, ou a tentar sê-lo" e deixei-me ir - lá acenei à minha miragem. Deixem-me que vos diga uma coisa: foi a melhor sensação dos últimos tempos. E não há nada ou tudo futuro que possa estragar aqueles 5 segundos de perfeição, nem os restantes dias de acidez falada com o intuito de entrar no jogo e deixar-me ir.

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"Dois, três dias de semelhança de princípio de amor...
Tudo isto vale para o esteta pelas sensações que lhe causa. Avançar mais seria entrar no domínio onde começa o ciúme, o sofrimento, a excitação. Nesta antecâmara da emoção há toda uma suavidade do amor sem a sua profundeza - um gozo leve, portanto, aroma vago de desejos e, se com isso se perde a grandeza que há na tragédia do amor, repare-se que, para o esteta, as tragédias são coisas interessantes de se observar, mas incómodas de sofrer. O próprio cultivo da imaginação é prejudicado pelo da vida. Reina quem não está entre os vulgares.

Afinal, isto bem me contentaria se eu conseguisse persuadir-me que esta teoria não é o que é, um complexo barulho que faço aos ouvidos da minha inteligência para ela não perceber que, no fundo, não há senão a minha timidez, a minha incompetência para a vida."
Bernardo Soares [Fernando Pessoa], in Livro do Desassossego

1 comentário:

toca-me ao de leve, com gentileza. e, depois, quando me tiveres cativado, poderás então fundir a tua alma à minha.

as palavras são coisas curiosas, há quem diga que dão vida. por isso, escreve. dá-me vida.