domingo, 15 de maio de 2011

inspiração como fôlego [coisas que eu devia ter escrito#2]

"Às vezes penso o que leva, a mim e às outras pessoas, a esconder das outras o que, na realidade, são e sentem. Alguns diriam que é a vergonha, a possibilidade de serem invadidos por olhares rudes e avaliadores até ao final das suas vidas. Ou talvez seja o medo de se sentirem vulneráveis pela primeira vez na vida, depois de baixarem as muralhas que ergueram durante anos e anos, que tão prudentemente souberam manter. Ou será o interesse e a conveniência de uma vida melhor, o desejo pelo luxo que triunfa sobre a sinceridade e o respeito por nós próprios, ao ponto de permitirmos que nos usem e abusem até perdermos, de todo, qualquer noção de ser? Ou, por outro lado, vivemos aterrorizados com a ideia de nos perdermos no meio do entusiasmo que é, finalmente, mostrar ao Mundo a nossa verdadeiras potencialidade – que tão ultrapassa as banais características que nos descrevem à vista dos outros?
Aceitar estas possibilidades acarreta, para além do mais, admitir as nossas fragilidades. Se temos vergonha, somos idiotas por achar que não temos o direito de ser nós mesmos e que nos devemos ajoelhar para a sociedade. Se nos sentirmos vulneráveis, somos simplesmente fracos de espírito e incapazes de nos mantermos de pé. Se apenas queremos comodidade, somos desprovidos de sentimento. Se tememos as consequências da nossa originalidade, somos apenas cobardes. É quando penso nisto que deixo de acreditar em Deus. Pergunto-me qual seria o interesse em criar e suportar criaturas como estas, tão reles e parasitárias. E, se toda esta lenda for verdadeira, acho que Deus deveria ter pensado duas vezes antes de descansar ao Domingo.
Ao pensar nas horas que passo na privacidade do meu quarto… O que faço, o que digo, o que penso, o que vejo… Agora sei que é todo esse conjunto que, embora desvanecido no meio da rotina, dos problemas e do convívio com os outros, me diz quem sou na verdade. A seguir, levanto-me e olho para o espelho, e tento responder à pergunta que ele me faz:
E então, o que é que escondeste hoje?

A resposta, essa, é mais simples e complexa do que parece.


Tudo."
J.



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porque há mais para descobrir sobre cada um de nós; mais sob a superfície. obrigada pela lufada de ar fresco, J.

1 comentário:

  1. OMG. ADORO. TANTO.
    O que me lembra de um certo poema de F.P....

    "Cerca de grandes muros quem te sonhas.
    Depois, onde é visível o jardim
    Através do portão de grade dada,
    Põe quantas flores são as mais risonhas,
    Para que te conheçam só assim.
    Onde ninguém o vir não ponhas nada.

    Faze canteiros como os que outros têm,
    Onde os olhares possam entrever
    O teu jardim com lho vais mostrar.
    Mas onde és teu, e nunca o vê ninguém,
    Deixa as flores que vêm do chão crescer
    E deixa as ervas naturais medrar.

    Faze de ti um duplo ser guardado;
    E que ninguém, que veja e fite, possa
    Saber mais que um jardim de quem tu és -
    Um jardim ostensivo e reservado,
    Por trás do qual a flor nativa roça
    A erva tão pobre que nem tu a vês...

    Fernando Pessoa, in 'Cancioneiro'"

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toca-me ao de leve, com gentileza. e, depois, quando me tiveres cativado, poderás então fundir a tua alma à minha.

as palavras são coisas curiosas, há quem diga que dão vida. por isso, escreve. dá-me vida.